"Parasita" (2019), filme koreano do sul de Bong Joon-ho que surpreendeu ao ganhar 4 Oscar em 2020, inclusive, de melhor filme, diretor e roteiro original é uma película sobre a ecologia humana e "cadeia alimentar", no tocante à distribuição econômica, demográfica, laboral e habitacional e estratégias parasitarias e/ou protocooperativas para subverter suas desigualdades. O tema principal que é empreendedorismo profissional e habitação social é premente porque vivemos na era dos alugueis de endereços fictícios para empresas iniciantes e dos quartos compartilhados para pessoas desempoderadas.
O drama do filme é apresentado através de uma família moradores de apartamentos-porões semisubterrâneos (banjiha) com janela de ventilação na altura da rua em "guetos morais" (PARK, 1967) de Seul. Os Kim, uma espécie de Simpson da Coreia, são compostos por 4 sujeitos desumanizados pela falta de oportunidades de estudo e trabalho, o que a leva a ter que criar condições de sobrevivências criativas a partir de empresas caseiras (caixas de Pizza) e, posteriormente, pequenos golpes que consistia na criação de uma rede cooperativa de recomendação laboral forjada entre seus membros para trabalharem na mesma mansão, da família Park, - cujo provedor trabalha no setor de tecnologia criativa, muito expressivo na Coreia. Sem poderem se assumir como familiares, ocorre uma despersonificação da subjetividade individual e grupal, cuja fragmentação se torna ainda maior quando esses parentes descobrem, quando os Park viajam para comemorar o aniversário do casula, que no porão da casa morava um fugitivo pela polícia mantido pela sua esposa, a ex-governanta da casa que fora demitida após um complô da família Kim. A disputa violenta entre esses 2 grupos pelo poder paralelo nas bordas da atuação da matriarca da casa dos Park, se torna patética por envolver somente as rapas e restos de sua vida de alto padrão, no que desmistifica a imagem de desenvolvimento econômico e social dos Tigres Asiáticos. A situação fica ainda mais socialmente sensível quando os Kim ficam desalojados por seu apartamento ter ficado debaixo d´água, após uma enchente, semelhante, a que ocorreu em São Paulo em fevereiro de 2020. Com uma narrativa entrecortada de reviravoltas o filme, que se assemelhe a estória do "O Som ao Redor" (2013) do pernambucano Mendonça - cuja temática da milícia e violência urbana tem origem no potentado oligárquico -, tem uma típica estrutura da linguagem cinematográfica americana, e, talvez, por isso, tenha agradado a Academia e seus seguidores. Independente da originalidade estética da obra, o enredo, realmente, é um prato cheio para pensar a situação semifamélica de muitos indivíduos de grandes cidades, bem como a falta de infra-estrutura urbana com serviços básicos e direitos universais de suas áreas periféricas, que tem se tornado depósitos de gente tratadas pior do que bichos em casa de rico. Até quando metrópoles como Seul e São Paulo, cidade com grande concentração de sul coreanos migrados continuaram a vender miragens de paraíso na terra nos panfletos imobiliários que não revelam a Paraisópolis que se tornou suas paisagens. Além disso, há uma leitura mais subliminar a partir da escolha do nome do ditador Kim Jong-un para o sobrenome da família protagonista, o que remete também aos resíduos geopolíticos da Guerra Fria e os conflitos ideológicos entre comunismo e capitalismo Coreia do Norte e do Sul, representando respectivamente pelas famílias Kim e Park, haja vista que são os migrantes de periferias mais pobres os que se tornam soldado raso com vida e salário precário na economia global monopolista espoliativa. No limite disso, o filme denuncia que a desigualdade socioespacial geradora de luta de intra e interclasses no interior do Seul tem equivalência estrutural com o imperialismo econômico verificado na relação entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos, em que os maiores parasitas são aqueles que comem pizza com sangue ás custas da quebradeira e endividamento do outro.
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FRED LE BLUEP.H.D. Urban Planning IPPUR/UFRJ; mestre em Memória Social PPGMS/UNIRIO; graduado em Comunicação Social FIC/UFG; Pesquisador associado do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ); Idealizador do Movimento Artetetura e Humanismo e do LAH-AQUI (Laboratório de Artetetura e Humanismo de Ações para Questões Urbanas Insolúveis); Editor da Editora Brasilha Teimosa e da Coleção "Artetetura e Humanismo: Olhar do artista, mãos de arquiteto" e autor de livros, filmes, músicas e WEB séries de educação política patrimonial e socioambiental (youtube.com/fredleblue)
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Novembro 2023
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